Because This Is My First Life é o futuro do drama coreano



Como qualquer obra audiovisual de gênero, os dramas coreanos tendem a utilizar uma fórmula específica, para obter a atenção do espectador e gerar as sensações pretendidas. Quem gosta e costuma acompanhar esse dramas, conhece bem todos os clichês e signos que permeiam aquele lugar-comum, inclusive, anseiam por aquela cena de beijo na chuva, que a câmera circula ao redor do casal principal.

Um dos clichês, não tão esperados por mim, especificamente, é a intensa romantização da relação abusiva. Na maioria das vezes, tem aquele protagonista incrivelmente insuportável que, por alguma razão, que nunca pude entender, a moça se apaixona. Frases como “Não quero você falando com mais nenhum homem além de mim”, “Não sorria pra nenhum homem além de mim.” ou “Não escute o que as pessoas falam, quero que você acredite apenas em mim e escute apenas a mim.” São ditas com frequência, o ciúme e a obsessão são vangloriados, a menina ama, se apaixona e obedece. 

No cenário, que se repete, ele a agarra pelo braço, ela tenta se soltar, ele a beija contra sua vontade. A expressão dela é de aversão. Uma música romântica toca. Ela o empurra, fala pra ele que nunca mais quer vê-lo na vida. Ela saí. O beijo está na lista de 10 melhores beijos do ano. E, no final, eles ficam juntos porque ela percebe que, por dentro, ele tem um coração bondoso. Eu não estou aqui para problematizar isso exatamente, estou aqui pra constatar que o público coreano, apesar de ainda bastante tradicional (por falta de palavra melhor) não está mais tão receptivo a tais clichês. 

De 2013 para cá, tenho observado uma onda de mudanças positivas em relação aos relacionamentos nos doramas coreanos, como nos sucessos "You Who Came From the Stars (2013 - SBS), Mask (2015 - SBS) ou Weightlifting Fairy Kim Bok Joo (2016 - MBC), que introduzem protagonistas femininas cheias de atitude, que não se permitem estar em um relacionamento onde não são respeitadas por completo. Assim, chegamos em 2017 com Because This Is My First Life, transmitido pela TvN, um dos melhores doramas do ano. 

Mas porque falar de “Because This Is My First Life” especificamente? Pelo storyline. A premissa é bastante simples e, na verdade, faz o espectador esperar o clichê, quando li no site, inclusive, fiquei com muito receio de começar a assistir. Você não espera que a série fale sobre o amor da forma que fala, talvez pelo fato de Yoon Nan-joong, a escritora, ser uma mulher. Foi muito feliz encontrar uma história que parecia feita pros clichês machistas, ser tão recheada de conteúdo. Isso me fez crer que o tipo de construção narrativa estabelecida em Because This Is My First Life corresponde ao que os doramas asiáticos estão caminhando para se tornar, deixando para trás os velhos traços tóxicos, mas mantendo a história de amor tradicional e cheia de drama.

Enredo: Yoon Ji Ho, uma mulher de 30 anos, se muda da casa que morava com seu irmão e aluga um quarto barato em um bom apartamento. Ela descobre que, devido a um engano com os nomes, quem pensava ser sua colega de apartamento é, na realidade, um homem, muito sério e metódico, chamado Nam Sae Hee, que gastou todo seu dinheiro para comprar uma casa própria, mas não pode bancá-la sozinho. Dessa confusão, eles se tornam companheiros de casa e companheiros de vida.


A série, com 16 episódios, prometia romance e comédia, daquele bem dramalhão coreano, do jeito que as noonas gostam. Entregou em cheio. O sucesso de “Because This Is My First Life” me trouxe paz de espírito, porque o relacionamento de Ji Ho e Sae Hee é construído de uma forma admirável, dando na cara de muito hit machista (sim, estou falando de você Boys Over Flowers). Não é um amor que vem de uma troca de olhares no primeiro episódio, eles não são amigos de infância, não são o primeiro amor um do outro, nem se conheceram na outra vida, é um amor que cresce naquele momento, naquela vida, por nenhuma outra razão que não eles serem eles mesmos, naquele lugar e naquele tempo. Isso é incrível. 

Apesar das situações absurdas que eles tem que passar (não seria dorama se não fosse assim), eles são sempre honestos e conseguem estabelecer uma boa comunicação. O simples ato de falar sobre o que estão sentindo, falar sobre seu amor para o outro, faz esse amor crescer. 



Inclusive, a comunicação é uma das grandes questões que permeia a série como um todo, até nas tramas secundárias, como nas histórias das amigas da protagonista (Ho-ram e So Ji) ou da família de Sae Hee. Fale o que você está sentindo e será ouvido, será amado por isso.

Ho-ram, não consegue falar para o namorado que ela quer casar, afinal, já namoram a 8 anos e So Ji, não consegue falar para o chefe que não aguenta mais o comportamento abusivo dele e dos colegas de trabalho no escritório. Ressaltando que, outro ponto importante que a série aborda é, justamente, a relação da mulher no ambiente de trabalho.

Nossa protagonista Ji Ho, por exemplo, desiste da sua carreira de escritora por sofrer uma tentativa de estupro do colega de trabalho por quem, na época, estava apaixonada. Em uma reunião, enquanto seus chefes tentam convencê-la a não denunciar o ocorrido, eles argumentam que a indústria é assim mesmo e ela tem que, apenas, esquecer e aceitar o pedido de desculpas do colega. “Se a indústria é assim, eu não quero fazer parte dela e não, não aceito suas desculpas.” Ela diz. Os sentimentos da personagens são justos, ela sabe que é possível que isso ocorra novamente, onde quer que ela trabalhe, afinal “é assim mesmo que acontece”, ir atrás do sonho, sem medo, parece ser um privilégio masculino.

So Ji, deseja se tornar CEO de uma grande empresa, mas para seguir seu sonho, precisa aturar e fingir que não liga para as cantadas do chefe, para como os homens do departamento reparam em suas roupas, como comentam o fato dela estar usando (ou não estar usando) sutiã ou da implicância deles com ela ser uma mulher fumante (enquanto todos eles estão numa roda fumando), pois fumar não vai fazer bem para um corpo que pretende parir, afinal, ela quer ter filhos, já que é uma mulher, correto?



Depois de muita reflexão, decidida a falar com o chefe, So Ji tenta conversar pacificamente e exige um pedido de desculpas na frente de todos da empresa, para que ela possa se sentir bem o suficiente para, pelo menos, voltar ao seu trabalho em paz. O chefe aceita a proposta, mas na hora, finge que tudo é uma grande brincadeira. So Ji acaba socando o chefe no rosto, o que se torna o canal de diálogo mais eficiente quando se trata de homens ridículos.

Por outro lado, Ho-ram, trabalha, é cuidadosa com o que faz, mas não se importa. Ela está só esperando casar para sair do emprego, um alívio. Seu sonho é ser mãe, ter filhos, os vestir, os alimentar, receber pessoas em casa, amar o marido e cuidar de tudo aquilo, mas ela se vê numa encruzilhada, pois seu sonho de casamento depende de Won Seok, seu namorado. Hor-ram também decide conversar com o rapaz, porém ele se sente muito frustrado com o desejo de Ho-ram, pois teria que abandonar o seu próprio sonho para poder casar com a moça, já que ainda não tinha um emprego estável e estava tentando emplacar um app para dispositivos móveis. Ele mesmo diz que um casamento é essa coisa toda que ele ainda não sabe se pode oferecer e que talvez amar e casar sejam duas coisas diferentes. Mas porque o sonho de Won Seok vale mais que o de Ho-ram? Não estão os dois se sacrificando para que o relacionamento dê certo?

A história envolvendo a família de Sae Hee vai trazer o peso das tradições familiares coreanas e como Sae Hee sofria abuso psicológico do pai, até o momento que ele corta os laços com seus familiares, afinal, não é saudável cultivar relacionamentos com pessoas nocivas, independe de quem seja.



Incrivelmente, a série consegue discorrer sobre todas essas subtramas sem se arrastar, com muitas surpresas e despertando boas risadas no caminho. A construção do relacionamento dos personagens principais através da convivência diária, todos os personagens coadjuvantes e como eles se encaixam naquele universo, seja no trabalho, nos bares ou em casa, só reforça a pegada cômica da narrativa. Tem muito amorzinho, muita fofura e muito companheirismo, tanto nas amizades quanto nos amores românticos. Acompanhei semanalmente, ansiosa e feliz, sabendo que, pelo andar da carruagem, muito mais “Because This Is My First Life”s viriam pela frente e esperançosa pelo dia esse tipo de dorama será uma regra e não uma exceção.

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